CONECTE-SE CONOSCO

São Rafael

São Rafael: A Cidade do “Já Teve”? os desafios de um passado submerso pelas águas da Barragem

Published

on

Em São Rafael, no interior do Rio Grande do Norte, muitos moradores fazem uma referência nostálgica e carregada de frustração à cidade: a “cidade do já teve”. Essa expressão, que ecoa nas ruas e no cotidiano da população, traduz um sentimento coletivo de perda e estagnação. O município, que um dia foi um centro vibrante de atividades econômicas e sociais, hoje luta para se reerguer após décadas de descaso e a submersão de parte de sua história pelas águas da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves.

Foto/Geopizza

A Cidade submersa e suas memórias perdidas

A construção da barragem, que tinha como objetivo garantir o abastecimento de água e gerar energia, resultou em um dos maiores deslocamentos forçados da história recente da cidade. A antiga São Rafael, agora submersa, era composta por um tecido urbano dinâmico, com comércio local ativo, instituições de ensino e culturais que representavam as bases da vida comunitária. Hoje, no entanto, a cidade velha, engolida pelas águas da barragem, parece ter sido apagada do mapa. Os moradores que viveram ali, agora deslocados para a nova sede, guardam lembranças de um passado próspero que não se reflete no presente.

Ruínas da igreja da antiga São Rafael (Foto: Anderson Barbosa/G1)

“Já Teve”: O passado que não volta

Quando se fala em “já teve”, o sentimento de perda vai além da topografia alterada. A cidade de São Rafael já teve instituições essenciais que moldavam a vida local. A Escola Tristão de Barros, um dos maiores centros educacionais do município, não existe mais. Fundada há décadas, a escola formava gerações e era símbolo de uma cidade que, até então, projetava um futuro promissor para seus filhos. Hoje, a realidade educacional é bem diferente, com a cidade lutando para manter suas unidades escolares, muitas delas com infraestrutura precária e um índice de alfabetização de 63,90%.

Além da escola, São Rafael já teve cartórios que prestavam serviços judiciais e eleitorais, fundamentais para o funcionamento administrativo da cidade. O cartório judiciário e o cartório eleitoral foram desativados, obrigando os moradores a buscar esses serviços em cidades vizinhas, o que aumenta a burocracia e a dificuldade de acesso à justiça. A cidade já teve, também, o Banco Nacional, que movimentava a economia local e possibilitava o acesso a serviços bancários essenciais. A ausência dessas estruturas reflete a perda de autonomia administrativa e econômica, deixando os cidadãos de São Rafael dependentes de outras localidades para serviços básicos.

O desafio de reinventar a economia local

Hoje, o município de São Rafael luta para encontrar alternativas econômicas que possam substituir as fontes de renda que desapareceram com a inundação da cidade antiga. A agropecuária ainda é uma das atividades mais representativas, mas sem o devido apoio governamental, o setor enfrenta dificuldades para crescer. O comércio local é tímido, com poucas empresas registradas, e a cidade carece de investimentos em setores como turismo, esporte e lazer. Embora a Barragem Armando Ribeiro Gonçalves tenha potencial para gerar atividades como a piscicultura e o ecoturismo, esses projetos não foram implementados de forma eficaz, deixando a cidade à deriva.

O historiador e escritor, professor Djalmir Arcanjo, autor de “A cidade que o progresso naufragou”, destaca a perda irreparável que São Rafael sofreu com a construção da barragem e a falta de alternativas para impulsionar seu desenvolvimento. Em sua análise crítica, ele ressalta a ausência de políticas públicas eficazes para o crescimento da cidade: “No capitalismo, uma cidade só pode crescer e se desenvolver economicamente se conseguir manter suas principais fontes de renda, aquelas que geram o crescimento econômico. Com todas essas fontes submersas pela barragem, e sem alternativas econômicas sendo implementadas no município, é evidente que não há como esperar crescimento para a cidade.”

Livros: Laços da Poesia Popular: coletânea poética, e São Rafael – A História da Cidade que o Progresso Naufragou

Em sua análise crítica, o professor Djalmir Arcanjo, historiador e escritor, coloca em destaque a falta de políticas públicas voltadas para o crescimento da cidade: O professor Djalmir Arcanjo critica a falta de alternativas econômicas em São Rafael após a submersão de suas principais fontes de renda, como a cidade antiga e a perda de instituições importantes. Ele argumenta que, no modelo capitalista, uma cidade só pode crescer e se desenvolver economicamente se mantiver essas fontes, e lamenta que, sem políticas públicas eficazes para impulsionar o município, não há como esperar um crescimento real. Em suma, ele vê a cidade como estagnada devido à falta de investimento e planejamento, o que compromete seu futuro econômico.

O Impacto das gestão passadas

A falta de visão e de planejamento nas sucessivas gestões municipais contribuiu para que São Rafael se encontrasse em um ciclo de estagnação. Enquanto outros municípios da região menores, avançavam, atraindo empresas, criando empregos e implementando programas de capacitação e desenvolvimento, São Rafael ficava para trás, presa a um passado que, aparentemente, já não existe mais.

Um futuro incerto ou uma oportunidade de renascimento?

São Rafael ainda tem muito a oferecer, um município cheio de belezas que enchem os olhos. Mas para isso é necessário romper com a inércia histórica e investir em soluções que aproveitem seus recursos e fortaleçam sua identidade. A cidade precisa de políticas públicas que incentivem o empreendedorismo local, criem oportunidades de emprego e, acima de tudo, valorizem a história e a cultura da localidade. O turismo, ainda que tímido, pode ser uma chave para o futuro, mas é preciso um planejamento estratégico que envolva o corpo social e promova a cidade como um destino sustentável.

A lição que fica é clara: São Rafael não pode ser definida apenas como a “cidade do já teve”. Com esforços conjuntos da população, gestores e sociedade civil, a cidade tem a chance de resgatar seu protagonismo e, finalmente, reescrever sua história com um olhar para o futuro. A “cidade do já teve” pode, quem sabe, tornar-se a “cidade que vai ter”.

Foto/Magno Serafim

CLIQUE PARA COMENTAR

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

+ ACESSADAS DA SEMANA