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Coronavírus: entenda os efeitos na economia – e como se proteger deles na bolsa
Saiba como a epidemia chinesa pode colocar um pé no freio do crescimento mundial, e para quais ações correr em busca de retornos altos e proteção enquanto o surto não for controlado
Os principais sintomas do coronavírus, recém-batizado de Covid-19, são dores de cabeça, tosse, dificuldade para respirar, enfim, os mesmos de uma gripe. Mas, como você já sabe, não é uma gripe qualquer, pode ser fatal. E a sua carteira de ações não fica de fora desse cenário para lá de preocupante.
Desde os últimos dias de janeiro, com os números crescentes de mortos e contaminados pela epidemia que nasceu na China nos últimos dias de 2019, e que já está em ao menos em três dezenas de países, a aversão ao risco tem visitado os pregões do mundo. O Ibovespa, por exemplo, embora analistas continuem apostando na famigerada retomada da economia nacional como sustentação de alta forte em 2020, amargava até a última sexta (14) perdas de 1,09% neste ano.
Motivos para temer
A China é a segunda maior economia do planeta. E principal parceira econômica de boa parte dos países – Brasil incluído. Em 2019, os chineses responderam por cerca de 30% das exportações brasileiras, de acordo com os dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia. É o dobro da fatia de cerca de 15% do segundo maior comprador da produção nacional, os Estados Unidos.
“A economia chinesa tem ligação umbilical com todos as outras, e agora está isolada”, explica Alexandre Espirito Santo, economista da Órama e professor do IBMEC-RJ. “Os abalos no mundo todo, então, são inevitáveis.”
Com uma população de1,3 bilhão de pessoas – ainda a maior de todas, mas a um triz de ser ultrapassada pela Índia –, a China é a maior compradora de commodities do mundo. Por isso mesmo, as cotações de petróleo e minério-de-ferro, por exemplo, têm tremido – e os acionistas de Petrobras, Vale e siderúrgicas, também. Com a percepção de menos procura chinesa enquanto a epidemia durar, os preços dos produtos que o país importa em larga escala acabam sendo puxados para baixo.
Espírito Santo já revisou a sua projeção para o Produto Interno Bruto (PIB, soma da produção de bens e serviços) nacional neste ano. “Apostava em janeiro num crescimento com piso de 2,3% e teto de 2,5% para o Brasil, mas agora o piso virou teto.”
O economista aponta como canal importante da desaceleração mundial os abalos naturais na confiança dos consumidores chineses e de outros países onde, porventura, a doença se espalhe. Suas populações, afinal, lidam com a iminência de passar a integrar os pouco mais de 2% de mortos entre os contaminados pelo coronavírus até aqui.
“Por mais que se deseje agir de determinada maneira, no curto prazo as pessoas se retraem, e isso acaba impactando negativamente o volume de consumo chinês e o PIB mundial“, diz Espirito Santo.
Nas contas da Academia Chinesa de Ciência Sociais, vinculada ao governo de Pequim, o Produto Interno Bruto (PIB, soma de todos os produtos e serviços) da China pode crescer menos de 5% neste ano. Em janeiro, o Fundo Monetário Internacional apontava para avanço neste ano de 6,1%.
Espirito Santo, no entanto, vê algum exagero nessas contas. “Minha leitura inicial é que devemos ter uma perda de meio porcento ao ano no crescimento chinês“. Para ele, projeções de tombos mais severos ignoram o que chama de “características culturais diferentes”. A população chinesa, diz, está habituada a ser obediente ao regime ditatorial vigente e a buscar superação, o que poderia surpreender analistas.
“O governo chinês, eventualmente, pode falar ‘olha, passamos por isso, seremos afetados, então vamos trabalhar, botar para rodar 24 horas, de dois a três turnos‘“, diz Espirito Santo. “Haverá uma perda de riqueza pontual, é preocupante, mas não podemos também descartar que a China como um todo se supere”.
O governo da China já tem se mexido nessa direção. Na semana passada, conclamou regiões menos afetadas pela doença para acelerar suas produçõesindustriais. A ideia é que a atividade econômica dessas paragens compensea inatividade das demais. Mas Roberto Dumas Damas, professor de economia internacional e chinesa do Insper, e que viveu na China, não acredita na efetividade desse apelo feito por Pequim. “Esse negócio de cultural para mim é uma bobagem“, diz.
China mais devagar
Há cerca de duas semanas, na esperança de incentivar o consumo, o banco central chinês injetou nada menos que US$ 180 bilhões em sua economia. Para Dumas Damas, no entanto, não há muitos mais instrumentos nas mãos de Pequim para impedir a patinada, no melhor dos casos de curto prazo, do crescimento chinês enquanto durar o coronavírus. E ele recorre ao saldo final do surto de síndrome respiratória aguda grave, a Sars, ocorrido entre 2002 e 2003, para demostrar o porquê de sua preocupação.
Dumas Damas compara a capacidade atual de gasto público do governo chinês com a daqueles anos. “Em 2003, o envidamento da China equivalia a 172 % do PIB, e hoje já está nos 300%”, diz. A força motriz do país, diz, segue sendo o investimento público – que, agora, tem capacidade mais limitada.
Em 2003, explica Dumas Damas, a Sars fez o crescimento da China descer de 10% para 9% ao ano. “Naquela época foi perdido um ponto percentual do ritmo médio”, lembra. “Hoje, quando a China já parte de uma base menor de crescimento [6% ao ano], e espera-se que perca entre 1 e 1,4 ponto“.
Ele aponta para mais um canal de transmissão da desaceleração da China ao mundo: o rompimento temporário da cadeia global de suprimentos. “A China é uma das principais fornecedoras de autopeças do mundo, várias montadoras na Coreia do Sul, por exemplo, pararam de trabalhar por falta de peças”, diz Dumas Damas. “Toda a Ásia, certamente, vai crescer menos em 2020”.
De acordo com o professor do Insper, em geral, epidemias fazem com que o ritmo das economias sofram abalos em forma de “V”. Ou seja, semelhante ao formato dessa letra, o gráfico do crescimento econômico entre o começo e o fim de surtos tende a ter uma primeira metade de queda brusca, seguida de outra, quase simétrica, de volta ao ritmo anterior ao caos.
Resta agora saber o tamanho desse “V ” ou, em outras palavras, da queda que depois será revertida. Quanto mais tempo a epidemia durar, maior o tombo. E é justamente essa incerteza com a qual os mercados têm lidado diariamente a razão de tanto sobe e desce nos índices de bolsa do mundo.
Embora Espirito Santo e Dumas Damas divirjam em relação aotamanho do estrago potencialmente trazido pelo Covid-19 ao ritmo da economia global, o “manual de bom comportamento” de ambos para o investidor, no meio de tantas dúvidas, segue um mesmo padrão.
“Está na primeira página desse ‘manual’ não tomar decisões importantes, que vão mudar radicalmente a sua carteira de ações“, diz Espirito Santo. “Se você toma uma decisão ao sabor das emoções do noticiário, já quebrou a cara“.
“Não faça nada agora, não entre em bolsa se você não está lá, e só saia se for para realizar lucros, e não perdas“, diz Dumas Damas. “Ainda não há como saber se teremos 25 mil ou 150 mil casos de contaminação, então não dá dizer que já está tudo incorporado aos preços dos ativos”.
Ou seja, se você apresentar os sintomas do início do texto, procure já um médico. E se tiver ações em bolsa, muita calma nesta hora.
Com os juros tão baixos, sabe como é…
O problema é grande, e a solução parece distante. Quando ficará pronta a vacina? A Organização Mundial da Saúde (OMS) já disse que pode demorar 18 meses…
Ainda que variadas, as incertezas externas não devem ser capazes de acabar com o apetite do investidor local para investimentos em bolsa. Com juros básicos em 4,25% ao ano, e podendo cair ainda mais, não há muito para onde correr em busca de retornos potenciais maiores – a não ser para as bolsas. E o otimismo ainda presente sobre a retomada brasileira tem sustentado projeções de voo alto para ações ligadas à atividade doméstica em 2020.
É hora de mergulhar de cabeça no bom e velho Ibovespa, certo?
Vale aqui reforçar o “muita calma nesta hora” de mais acima. Apostar nos ETFs que replicam a carteira teórica do índice mais famoso da B3, sempre nas manchetes, pode frustrar a sua expectativa de surfar na onda da retomada brasileira (se ela vier, claro). O Ibovespa, afinal, está beeeem longe de reagir apenas à dinâmica interna da economia.
Quem destaca isso é Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo. Conforme explica, a forte concentração da carteira do Ibovespa em empresas exportadoras de commodities, como as gigantes Petrobras e Vale, torna o índice muito sensível a momentos de tensões internacionais. Somadas, as ações das duas “blue chips” (Vale e Petrobras) respondem por nada menos que 18,86% do índice.
Com forte exposição ao comércio internacional devido às exportações, os papéis de ambas empresas têm puxado o Ibovespa e seu ETF para baixo diante de cada incerteza trazida ao mercado pelo coronavírus. No ano, a Vale acumula queda de 4,32%. As ações preferenciais (PN, que dão preferência por dividendos) da Petrobras, perdas de 2,52%; e seus papéis ordinários (ON, que permitem votar em assembleias), outros 1,19%.
Essas baixas são semelhantes às acontecidas desde 2018, em meio àguerra comercial entre China e Estados Unidos; e às que vieram nos primeiros dias deste ano, quando os Estados Unidos mataram o “número dois” do Irã, e tiveram suas bases no Iraque retaliadas em forma de bombardeio.
Apenas entre os acontecimentos que podem ser previstos, e com potencial de trazer volatilidade alta, ainda está por vir neste ano a eleição para a presidência americana e novas negociações comerciais entre Estados Unidos e China. Dumas Damas, aliás, não acredita quea primeira fase do acordo fechado entre os dois países nos últimos dias do ano passadoserá cumprida.
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“Foi um acordo frágil, ainda tem muita tensão para rolar”, diz. Fora o coronavírus, que pode minar a capacidade chinesa de honrar com as prometidas importações volumosas de produtos agrícolas americanos, ele aponta para possíveis reclamações de outros países na Organização Mundial do Comércio.
“Seria infantil achar que os outros países não vão reclamar por vender menos produtos aos chineses”, diz. “E se eles reclamarem, Donald Trump vai querer retaliar, então não dá para achar que já está tudo bem nessa frente”.
Por outro lado, Luis Azevedo, superintendente de análise do Banco Safra, vê nas características de exportadoras brasileiras de matéria-prima, especialmente a Vale, potencial de forte valorização no curto prazo. O preço da ação da empresa, diz, oferece descontos em relação à média dos ativos do Ibovespa. Passado o estresse deste início de ano, portanto, deve voltar a subir, e a empresa promete ser um pouco mais “agressiva” no pagamento de dividendos.
Outras pagam o pato
Além das exportadoras, outras ações bastante líquidas do Ibovespa são igualmente porta tradicional de entrada e saída para investidores estrangeiros. E quando o clima esquenta lá fora, emergentes como o Brasil pagam o pato. É o caso das ações dos “bancões” listados na B3, que representam cerca de 23% da composição do Ibovespa.
Os papéis de Itaú, Itaúsa, Bradesco, Banco do Brasil e Santander estão expostos diretamente à economia brasileira, mas têm ainda que lidar com a taxa básica de juros (Selic) nas mínimas históricas. A Selic baixinha como está tende a diminuir as margens de lucro das companhias, segundo Franchini.
A acirrada competição por espaço no mercado com os bancos digitais também tem pressionado os resultados dos “bancões”. Essas ações devem continuar mostrando valorização no médio e longo prazos, diz o sócio da Monte Bravo. Mas ele aposta em outros segmentos de bolsa com maior potencialde ganho com o aquecimento da economia doméstica.
“O mercado está um pouco mais cético com bancos neste ano, 2020 é um divisor de águas”, diz. “Existe ainda a expectativa de mudança regulatória, que pode aumentar a tributação cobrada dos bancos”, diz Filipe Villegas, estrategista-chefe da Genial Investimentos. “Não que investir em bancos seja uma opção ruim, mas já foi muito melhor.“
Azevedo, do Safra, também reconhece os desafios do setor. Acredita, porém, que ainda é um bom momento para investir nos “bancões”. Entre as instituições, destaca Banco do Brasil e Bradesco, dadas as expectativas de crescimento forte na concessão de crédito. De acordo com ele, as companhias estão promovendo mudanças para reduzir custos, como a redução de tamanho e reformatação de agências, o que pode trazer bons rendimentos em bolsa.
Para onde correr?
“Com o mercado apostando em economia local, o ETF de small caps tem maior diversificação e exposição à economia brasileira em relação ao do Ibovespa“, afirma Villegas. Com juros menores, ele explica que as empresas de menor capitalização e mais endividadas conseguirão aumentar sua eficiência operacional. “Elas precisariam gastar menos com dívidas, então as small caps tendem a apresentar resultado melhor neste ano”.
Por outro lado, empresas com dívida alta, em momentos de aversão ao risco, mostram mais volatilidade. “É uma questão de alinhar com o investidor o perfil de risco dele”, diz Villegas. Ele destaca empresas consideradas “premium” nesses setores ligados ao mercado interno, ou seja, ativos caros, mas de qualidade. É o caso das ações de Weg, Raia Drogasil e Magazine Luiza.
A Magalu, queridinha dos investidores, depois de acumular ganhos de 112,2% em 2019, ainda deve ter lugar ao sol nas carteiras de quem quer surfar a recuperação da economia brasileira, segundo todos os especialistas ouvidos pelo Valor Investe.
Os segmentos de educação, varejo e saúde têm tudo para entregar maior rentabilidade que o Ibovespa, segundo Franchini, da Monte Bravo. E de olho na recuperação econômica, Azevedo, do Safra, vê um bom momento para as ações da Rumo Logística. “Para a economia crescer de maneira sustentável serão necessários investimentos em infraestrutura”, diz.
Já nas ações de construtoras e incorporadoras, é melhor ir com parcimônia. “Construção civil é uma boa maneira de se expor a Brasil, mas é um setor que o preço já subiu muito, o principal ‘boom’ já passou“, avalia Villegas, da Genial.